Temperaturas amenas, praias limpas, segurança nas ruas e promessas de uma vida sem grandes sobressaltos econômicos. Foi essa receita que transformou Miami em um dos destinos preferidos de quem tentava fugir daqui. O auge do fenômeno ocorreu entre o final da década de 90 e início dos anos 2000, quando estatísticas mostravam que mais de 10% dos imóveis da maior cidade da Flórida passaram a ser adquiridos por brasileiros – para moradia definitiva ou como investimento. A onda sofreu um grande refluxo, o que não quer dizer que o interesse tenha desaparecido. Sempre que há uma troca de guarda no Palácio do Planalto, um número grande de pessoas começa a buscar informações para tentar seguir essa rota de fuga, algo que se repete agora, com a volta de Luiz Inácio Lula da Silva ao poder. As consultas a imobiliárias em Miami aumentaram nos últimos meses, mas a verdade é que poucos brasileiros têm hoje condições de levar adiante essa intenção. A alta do dólar transformou-se no principal pesadelo para quem ainda tem em mente a conquista do sonho americano.
O real desvalorizado frente ao dólar atinge em especial as pessoas de classe média, que desistem da perspectiva de uma nova vida na terra do Tio Sam quando começam a fazer a conta de conversão das moedas. Se a ideia é comprar um imóvel compatível com o padrão de vida que uma família dessa faixa de renda desfruta no Brasil, o gasto dificilmente será menor que 800 000 dólares – o equivalente a cerca de 4 milhões de reais. Por esse valor, é possível adquirir em Miami um apartamento usado de dois dormitórios em Downtown, Miami Beach ou Hollywood, áreas preferidas pelos brasileiros. Alugar um imóvel assim tem um custo de aproximadamente 5 000 dólares por mês, ou 25 000 reais, cifra também proibitiva para muitos bolsos daqui.
Além do câmbio desfavorável, os brasileiros encontram agora uma Miami desconectada do comportamento do mercado imobiliário dos Estados Unidos. Enquanto outras regiões estão com os imóveis mais baratos por conta da alta taxa de juros, que saltou de 4% para até 7.5% ao ano, resultado de uma política do governo Biden para conter o avanço da inflação, a cidade da Flórida tem se valorizado continuamente. Por enquanto é um tímido crescimento de 1.5% por mês, mas a tendência é a de que esse ritmo aumente mais a partir do próximo ano.
Um dos fatores que explica a alta de preços em Miami é a preferência dos americanos por investimentos na região, que hoje é chamada da nova silicon valley por força de uma quantidade grande de empresas de tecnologia que se instalaram por lá, em especial as startups. Em paralelo, o custo de manutenção dos imóveis por lá também cresceu. Após um acidente ocorrido em 2021 na região de Surfside, que deixou 98 mortos, houve uma mudança importante na legislação municipal de forma a aumentar o nível de segurança e disciplinar a ocupação. Isso onerou bastante o custo mensal dos apartamentos, com aumento de 50% ou mais no boleto condominial.
E engana-se quem pensa que comprar ou alugar um imóvel dá direito a residir nos Estados Unidos. Entre todas as opções de visto de residência, nenhuma requer apenas a aquisição ou locação de um imóvel. Para viver legalmente em terras americanas, em especial Miami, além de preencher os requisitos que o governo exige, é necessário um salário alto ou uma boa carteira de clientes dispostos a pagar pelo serviço dos trabalhos oferecidos para se manter na cidade. Segundo o site Expatistan, uma única pessoa precisa desembolsar cerca de 4.600 dólares por mês para viver em Miami. Isso significa que os valores da cidade são por volta de 15% mais elevados do que os do restante dos Estados Unidos. Naturalmente, é preciso levar em conta que nem todas as pessoas têm as mesmas necessidades e esses valores podem sofrer diferenças.
Câmbio desfavorável, valorização imobiliária e demais despesas constituem hoje a equação que afasta muitos brasileiros de Miami. No caso do mercado imobiliário, segundo Micael Machado, brasileiro radicado na cidade há mais de 20 anos e fundador da Machado Kinjer Group, existem hoje dois tipos de brasileiros fazendo negócios em Miami: o que já mora na cidade e aproveita essa desvalorização do real para vender seus ativos imobiliários e mandar o dinheiro para o Brasil e os que não moram nos Estados Unidos e compram imóvel para investimento ou segunda moradia. Esse segundo grupo adquire hoje imóveis considerados de alto luxo, a partir de 2 milhões de dólares.
Nas últimas semanas, um empresário brasileiro foi protagonista de uma transação vultosa na cidade. O empresário Evando Neiva, um dos fundadores do grupo educacional mineiro Pitágoras, que daria origem à Kroton e, posteriormente, à Cogna, vendeu uma mansão na ilha de Key Biscayne por 10 milhões de dólares. Não faltam compradores para esse tipo de produto em Miami. Para quem tem dinheiro de sobra, o mercado de lá não tem limites. Em Sunny Isles Beach, o empreendimento Estates at Acqualina tem o apartamento mais caro à venda hoje em Miami: custa a bagatela de 85 milhões de dólares (tem cerca de 1500 metros quadrados e sete dormitórios).